domingo, novembro 04, 2012

A garota no carrossel


Eu tenho uma garota que é só sentimentos. Todos os dias a coloco sentada em seu cavalo preferido no carrossel do parquinho do bairro. Aquele rosa, com um rabo sedoso e crina cheia de brilhos. Ela abraça o pescoço do cavalo, deita-se e finge estar naquele campo do filme dos contos de fadas. Intercala um abrir e fechar de olhos. Ora sonha, ora inventa sonhos nas luzes do parque. Minha garota gosta de ver a vida girar lentamente. Ela gosta das cores, das luzes piscando e da música antiga que toca enquanto ela roda, roda, roda...

Mas a doce Mimi anda triste. Carlinhos nunca mais apareceu. Ele costuma vir às cinco da tarde e rodar nas xícaras tanto, que os dois saem tontos e frouxos de rir. Faz um tempo que Mimi não sai frouxa de rir. Eu não sei rodar na xícara, não como Carlinhos. E Mimi só sabe ser lenta, não quer rodar sozinha, não aguenta a rapidez se não for de mãos dadas!

Eu sabia que isso iria acontecer logo, Carlinhos estava diferente, já não queria que lhe comprassem algodão doce, que sujava os dedos, lambuzava muito e era rosa. Mimi não notava a diferença. Minto... notava sim! Fazia de conta que não, pois queria que a vida fosse para sempre assim. Poderia ser, mas só se Carlinhos quisesse. Ele não quis. Não o culpo. Mimi se conserva uma criança, tem sonhos pueris e bonitos, olhos brilhantes e fé na vida. Carlinhos cresceu e esqueceu de olhar para dentro. É grave crescer e esquecer de olhar para dentro, muito grave! Mas tão comum...

Agora, quando íamos ao parquinho, a tarde caía em três momentos: com o Sol frio no céu, às 4 horas, Mimi rodava em seu cavalo no carrossel. Eu ficava logo ao lado, sentada na carruagem de brinquedo, olhando o sorriso esperançoso da minha menina. Quando o Sol caía, às 5 horas, ela esperava na fila da xícara. Às 6, quando notava que ele não viria mesmo, de novo, virava os olhos para o chão, a tristeza caía aos pingos. Ela fingia ser um cisco, pedia um algodão doce rosa, segurava em minha mão e quase corria para a saída do nosso parquinho. Depois ensaiava um sorriso e fingia não doer.

Não creio que Carlinhos deixou de nos amar. Amor não morre, às vezes adormece. Ele apenas esqueceu de tudo, porque às vezes a vida nos inebria. Ele esqueceu da vez em que faltou energia e ligamos a lanterninha e seguramos nossas mãos e não soltamos mais até a luz voltar. Esqueceu do dia em que deitamos na grama e contamos todas estrelas, dando nomes esquisitos para cada uma delas. Esqueceu da vez em que o pai dele ficou doente e ele teve que ser forte em casa. Foi quando Mimi abraçou-o mais longamente. Foi quando juntamos as moedas do ônibus de toda a semana e compramos hambúrguer com queijo cheddar e coca-cola para todo mundo, fomos ao cinema e rimos até a barriga doer. E depois andamos a pé por um tempo, mas nem ligamos. Esqueceu que tinha prometido nunca mais ir embora, pois "família queria dizer não abandonar, ou esquecer", como dizia aquele filme do monstrinho azul. E a gente tinha escolhido aquela família, tão amigos éramos.

Carlinhos apenas esqueceu, cresceu, anestesiou e quis viver. Eu poderia culpá-lo por fazer escolhas? Não, mas o faço. Faço porque vejo a carinha da minha menina. E ela ainda segura forte na minha mão, tentando me proteger! Mimi nunca quis ser a irmã frágil, mas éramos duas mocinhas de vidro. E nosso coração estava todo estilhaçado na areia. Estava difícil juntar tantos pedacinhos.

Mimi, nossos dedos estão sangrando, nosso coração está sendo colado e vai ficar cheio de grãozinhos de areia, meio rústico... mas grosseiro não! Não se preocupe, tudo vai ficar bem. Vale dizer que te amo? Que não se preocupe que nunca irei deixar de rodar no carrossel com você? Acorde-me quando eu estiver dormindo e me peça proteção. Desculpe-me as palavras duras, mas a verdade é dura e Carlinhos se foi. Por enquanto, mas não nutra esperanças quanto a volta dele.

Mas o poeta disse que sabe que "é preciso perdoar", que "a beleza de amar é se dar". Quero que o mundo todo seja feliz. Não podemos deixar de amar, não é? E não vamos deixar, porque simplesmente não conseguimos. Comecemos por construir a nossa felicidade. Sorriso a sorriso. Vitória a vitória. Abraço a abraço. Sempre, mas sempre, de dentro para fora!

2 comentários:

Alana disse...

Te amo. Obrigada por tudo.
[P.s. morro de comentar repetidamente nesse blog e quando olho não tem nenhum comentário meu =O ]

salamandra mágica disse...

"Quem vai te abraçar?
Me fala quem vai te socorrer
Quando chover e acabar a luz
Pra quem você vai correr?
E quem vai me levar
Entre as estrelas, quem vai fazer
Toda manhã me cobrir de luz?
Quem, além de você?"

http://www.youtube.com/watch?v=FpCO9WzRffo&feature=related