quinta-feira, fevereiro 25, 2010

Só não me deixe assim tão solta.

Eu posso suportar bater o dedo mindinho nas quinas da vida. Posso agüentar comer menos, cortar o açúcar e até o chocolate. Até pepino e alface crespa eu agüento. Posso tolerar pessoas falsas ao meu redor. Posso conseguir acordar cedo todos os dias e correr em uma esteira de uma academia de bairro.

Mas, não, não me deixe assim tão solta. Porque quando você solta da minha mão me dá um quê de nervoso, um quê de abandono. Faça a gentileza de me querer, de me prender. Saiba ser meio meu, meio do mundo. Mas que eu sinta que posso competir com o mundo. Que às vezes eu preciso de um cais pra aportar, de um abraço pra me aconchegar. Preciso de uma poesia real para pôr no papel. Preciso ter certeza de que minha música tem dono. Preciso dar espaço no meu colo. Entre meus braços há um vazio triste. Meus dedos pedem alguém pra afagar. E os meus pés querem um par de companhia.

Não, não me deixe solta por aí, que eu posso me perder. E aí quem é que vai me achar?

quarta-feira, fevereiro 24, 2010

O amor empedra?



Era uma tarde morna de dezembro e Eva se sentia em Quixadá. Olhou para dentro de si e se perguntou como havia virado de repente Irauçuba, Pedra Branca. Porque era tudo pedra, tudo quente, tudo distante. Tinha também um quê de abandono das cidades-fantasma dos filmes de faroeste.

Era uma tarde morna de dezembro, mas Eva andava descalça no chão quente e deserto e cheio de monolitos de dentro dela. Ao fundo, ela via aquela miragem molhada das estradas extremamente cálidas. Ouviu ao longe chamarem seu nome. Fez um esforço enorme para voltar à realidade do quarto, antes vazio e escuro.

Era uma tarde morna de dezembro, mas o quarto estava escuro. Janelas fechadas, luzes apagadas, um ventilador no canto do quarto bagunçado. Antes vazio. Não mais. Ele entrou. "Tem certeza?". A pergunta queima. Mas ela tem. Certeza. A pergunta queima ainda, mas do modo errado. Ele sai. Não volta, e nem vai voltar. Um monolito permanece, dentro dela.

Era uma tarde morna de dezembro, mas Eva queria trabalhar na escavação. Não importa o calor. Não importa o chão quente. Que importam os pés descalços? É a vida. A vida. Quebrar os monolitos, este é o objetivo. Quebrar, quebrar.

Era uma tarde morna de dezembro, mas agora estava frio. É que, pertinho, as pedras transformavam-se em imensos icebergs. E os pés e as mãos queimavam com o gelo. Mas era preciso quebrar. A pergunta ainda ecoava no espaço: Como foi? Como foi que aquelas pedras se tornaram tão intransponíveis? Como elas engessaram o amor das terras desconhecidas do seu coração?

Era uma noite fria de dezembro, e Eva continuava inerte. Fria, a noite, mas Eva ardia. Quebrara toda a pedraria, toda. Lá longe, o Sol surgindo, ainda que fosse uma noite fria de dezembro. A poeira de dentro dela mostrava quão intenso havia sido o trabalho. Mas, não adiantava. Ela não pensava mais nele. Em ninguém. Ela só via o Sol.

Era uma manhã chuvosa de Janeiro. Eva fazia um bolo perfumado. Chocolate amargo, uma pitada de pimenta, cobertura fininha. Dentro dela, tudo limpo. Um Sol brilhando. Pronto para iluminar alguém. Pronto para fazer crescer umas sementes dentro dela. Pedras? Não mais.


"A gente não percebe o amor
Que se perde aos poucos sem virar carinho.
Guardar lá dentro amor não impede,
Que ele empedre mesmo crendo-se infinito.
Tornar o amor real é expulsá-lo de você,
Prá que ele possa ser de alguém."

segunda-feira, fevereiro 22, 2010

A arte de cozinhar


Pois bem, quero falar da vida. Que ela "é real e de viés". Que ela "é pra valer, que ela é pra levar". Muita, mas muita gente cantou, poetizou, gritou em nome da vida. A vida isso, a vida aquilo. A vida, uma caixinha de surpresas. A vida é dura. Temos que viver a vida simplesmente. A vida, a vida, a vida.

E eu digo: agora é minha vez. A vida, a gente leva calmamente, sim. Mas não tão lenta. É tipo uma receitinha, sabe? Mas tipo as que a mamãe cozinha: às vezes leva mais sal, às vezes mais pimenta. Você nunca sabe a quantidade certa, mas sabe que tem que ter tempero.

Aí entra noutra questão: de onde que vem o tempero? As pessoas que passam na sua cozinha é quem podem te dar. Tem gente que bota sal demais e fica intragável. Pimenta demais, urgh. Não dá nem pra engolir. Mas uma pitada de pimentinha até que vai bem, nénão?

Às vezes a sua vida está uma sobremesa, alguém coloca chocolate e leite condensado à vontade e vai ficando um doce bom, tão bom que nem parece verdade... Aí parece que exageram no leite, a massa desanda e fica tão sem açúcar que você nem acredita como é que um doce tão, outrora, indescritivelmente bom, pôde ficar ruim.

É isso, meus bens. A vida docinha ou salgada são as pessoas que passam pela nossa cozinha que fazem. Mas o prato é você quem escolhe e quem mexe na sua panela, quase sempre é você quem diz também.

Assisti ao filme "Ratatouille" (foto) quando estreou no cinema, em 2007, com um amigo de quem gostava muito. Saí com uma sensação legal. Depois de anos comprei e reassisti. Tão bonitinho e com aquele ar refrescante de Paris! Um ratinho cozinheiro, Remy, ajuda a temperar a vida de um moço fracassado.

Então vamos tentar escolher bem nosso cozinheiros. E vamos também tentar ser os mestre-cucas, os Remy dos outros. Porque às vezes só porque nosso prato está sem sal, a gente quer esculhambar o prato alheio. E tem aqueles que nunca estão satisfeitos com sua comida, sempre de olho no prato do vizinho. Que tal nos concentrarmos em guardar bem nosso temperinhos pra sair por aí temperando a vida dos outros bem direitinho? Porque às vezes ainda tem jeito de mexer aqui e ali e concertar o prato. Mas às vezes, só jogando fora a comida estragada e enchendo o prato de novo. Aí dá um trabalho...

sexta-feira, fevereiro 05, 2010

Das mudanças

Mudo, mudo, mudo, mudo.
Mas às vezes não quero.

Quero, quero, quero, quero.
Mas às vezes não mudo.

(em 07/02/2010)

quarta-feira, fevereiro 03, 2010

Já me disseram que eu sou tímida e já me acharam expansiva. E já fui “a popular” e “a tímida” e ainda “a sorridente” e “a fechada”. E já fui muitíssimo simpática e muitíssimo antipática. E fui explosiva e calma.

Já me disseram que sou feia, já me disseram que eu sou linda. Já me disseram “você tá gorda!” e também “Como emagreceu!” e ainda “Cadê a dieta?”. E já acreditei neles e desacreditei depois.

Já me apaixonei perdidamente e já desapaixonei. Já ri, ri muito, morri de rir. E já chorei, chorei muito, mas não a ponto de morrer. E tive amores e alegrias. E dores daquelas que vc acha que nunca vão acabar (mas um dia acabam...e você vê q nem doeu tanto assim). Já sofri e fiz sofrer. Chorei e fiz chorar. Ri e fiz rir. Gargalhei e fiz gargalhar.

Já achei que tinha muitos amigos...e depois desachei. E fiz amigos fácil fácil. E também já demorei assim um tantão pra achar um amigo. Já confiei muito muito e depois me arrependi. E confiei muito muito e não pude me arrepender.

Já valeu a pena esperar. Já perdi tempo esperando. Já cansei de esperar e já tive que esperar mesmo sem querer.

E disse e depois me contradisse.
E me senti só. E me senti bem. E me senti mal. E fui triste. E fui feliz. E fui muito feliz. E fui feliz de gritar.

E já gritei muito. De doer a garganta e os ouvidos. E já falei baixo, muito baixo...quase que só pra mim.

E cantei e dancei e pulei.

E sei que ainda vou andar, andar muito. E cantar e pular e dançar, trabalhar, estudar, falar. E ter mais alegrias e mais tristezas. Mais vitórias e derrotas. Mais amigos. Menos amigos.

E mesmo assim quero conseguir ver a beleza da vida.
E tocar nas alegrias intocáveis.
E narrar as aventuras inenarráveis.
E sorrir nas adversidades.
E chorar quando der vontade.
E amar incondicionalmente.
E cantar absurdamente.
E acreditar nos sonhos inacreditáveis.