quarta-feira, fevereiro 24, 2010
O amor empedra?
Era uma tarde morna de dezembro e Eva se sentia em Quixadá. Olhou para dentro de si e se perguntou como havia virado de repente Irauçuba, Pedra Branca. Porque era tudo pedra, tudo quente, tudo distante. Tinha também um quê de abandono das cidades-fantasma dos filmes de faroeste.
Era uma tarde morna de dezembro, mas Eva andava descalça no chão quente e deserto e cheio de monolitos de dentro dela. Ao fundo, ela via aquela miragem molhada das estradas extremamente cálidas. Ouviu ao longe chamarem seu nome. Fez um esforço enorme para voltar à realidade do quarto, antes vazio e escuro.
Era uma tarde morna de dezembro, mas o quarto estava escuro. Janelas fechadas, luzes apagadas, um ventilador no canto do quarto bagunçado. Antes vazio. Não mais. Ele entrou. "Tem certeza?". A pergunta queima. Mas ela tem. Certeza. A pergunta queima ainda, mas do modo errado. Ele sai. Não volta, e nem vai voltar. Um monolito permanece, dentro dela.
Era uma tarde morna de dezembro, mas Eva queria trabalhar na escavação. Não importa o calor. Não importa o chão quente. Que importam os pés descalços? É a vida. A vida. Quebrar os monolitos, este é o objetivo. Quebrar, quebrar.
Era uma tarde morna de dezembro, mas agora estava frio. É que, pertinho, as pedras transformavam-se em imensos icebergs. E os pés e as mãos queimavam com o gelo. Mas era preciso quebrar. A pergunta ainda ecoava no espaço: Como foi? Como foi que aquelas pedras se tornaram tão intransponíveis? Como elas engessaram o amor das terras desconhecidas do seu coração?
Era uma noite fria de dezembro, e Eva continuava inerte. Fria, a noite, mas Eva ardia. Quebrara toda a pedraria, toda. Lá longe, o Sol surgindo, ainda que fosse uma noite fria de dezembro. A poeira de dentro dela mostrava quão intenso havia sido o trabalho. Mas, não adiantava. Ela não pensava mais nele. Em ninguém. Ela só via o Sol.
Era uma manhã chuvosa de Janeiro. Eva fazia um bolo perfumado. Chocolate amargo, uma pitada de pimenta, cobertura fininha. Dentro dela, tudo limpo. Um Sol brilhando. Pronto para iluminar alguém. Pronto para fazer crescer umas sementes dentro dela. Pedras? Não mais.
"A gente não percebe o amor
Que se perde aos poucos sem virar carinho.
Guardar lá dentro amor não impede,
Que ele empedre mesmo crendo-se infinito.
Tornar o amor real é expulsá-lo de você,
Prá que ele possa ser de alguém."
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário