Por Ariane Cajazeiras*
Escrevo silenciosamente, enquanto,
diante de mim, meu pai também escreve, absorto entre trechos de livros e a tela
do computador. Sempre foi assim, desde que me lembro. Mesmo quando o barulho
das teclas era substituído pelo arranhar da caneta ou pelo ruído da antiga
máquina de escrever automática. O certo é que Francisco Cajazeiras encarnou com
uma capacidade absurda de concentração. Seja para o jogo de futebol da
televisão, seja para a leitura de um livro ou na arte da escrita, que ele
domina muito bem. Concentração essa que triplica quando o assunto é doutrina Espírita.
Minha mãe conta que passamos a
frequentar o centro espírita quando eu tinha apenas alguns meses de vida. Ela guarda
a data: 14 de março de 1987. Foi quando O Livro dos Espíritos foi apresentado
para meu pai. Ou reapresentado, já que ele mesmo conta que quando começou a
estudar a doutrina, imediatamente reconheceu tudo aquilo que ele pensava, mas
em nenhuma religião havia encontrado. E esse amor ao Espiritismo o levou a
devorar, avidamente, um a um, os livros da Codificação Espírita de Allan
Kardec. Do mesmo jeito que falei no início, nessa exata cadeira em que o vejo
sentado agora. Substitua o moderno notebook por uma edição antiga de O Livro
dos Espíritos e talvez escureça um pouquinho os cabelos dele e verá a cena. Um
estudioso em construção. Um defensor fervoroso do conhecimento multiplicado
pelo mestre Allan Kardec.
A partir do primeiro contato com
o Espiritismo, Francisco Cajazeiras passou a dedicar-se por inteiro à doutrina.
Em menos de dois meses, engajou-se com minha mãe nos trabalhos do centro
espírita e nunca mais se afastou, embora agora esteja à frente do centro
espírita que fundou: o Instituto de Cultura Espírita do Ceará. Mesmo com todas
as pedras no caminho, nunca cogitou deixar o movimento espírita.
Até hoje faltam prateleiras para
o número de livros que ele adquire. E os lê, todos. Volta, estuda, pesquisa,
relembra, relê. E empresta. Mesmo que os livros não voltem. Não há nada que o
empolgue mais do que ensinar. Gosto de ouvi-lo discorrer sobre Espiritismo.
Vejo a felicidade que experimenta quando recebe alguém ávido por conhecimento. E
admiro a forma com que se utiliza de todo o conhecimento que adquiriu (e
adquire ainda): multiplica-os e tenta aplicá-los à própria vida. E não é menos
carinhoso e humano. Lembro de começar a ler Há
Dois Mil Anos e confidenciar que chorei copiosamente em alguns trechos.
“Espere até ler Paulo e Estêvão! A
gente chora muito mais!”, disse-me ele.
Sabe, guarde bem esse segredo de
escritor: quem escreve livros, não apenas repassa conhecimento, mas, antes de
tudo, precisa estudar, trabalhar, lapidar as palavras para só então publicar
ideias. Meu pai, embora médico, tem essa veia de escritor. E desde o início
escrevia diversos textos, muito publicados em jornais de nosso Ceará, espíritas
ou não. Todos devidamente recortados, colados em folha sulfite e guardados em
algumas pilhas de pastas aqui em casa. Natural, então, seguir para a publicação
de livros. O primeiro foi “Eutanásia – Enfoque Espírita”, que fala das diversas
formas de eutanásia e a visão médica e espírita disso. Daí então não parou
mais: até hoje foram doze publicados, sendo três deles psicografados.
O primeiro que li foi “Elementos de Teologia Espírita”
(publicado em 2002, pela editora EME). Eu me preparava para falar sobre o
Evangelho pela primeira vez, no Instituto de Cultura Espírita do Ceará. O
exemplar encontra-se aqui a meu lado, com grifos por toda parte, pois adquiri do
pai o hábito de destacar as partes importantes com caneta colorida. São 30
textos, com temas polêmicos, muitos interpretados de forma duvidosa até mesmo
dentro do movimento espírita, como ressurreição e mediunidade. Lembro de começar
a ler “O Diabo e as religiões” e não mais parar. Pois nos livros de Francisco
Cajazeiras, transparece todo o lado professor dele: é uma leitura didática e
fácil, mas ao mesmo tempo profunda.
Em “O Valor Terapêutico do Perdão”, um de meus
favoritos, demonstra a necessidade do perdão incondicional, como Jesus ensinou,
não só de um ponto de vista ético e religioso, como também pelo fato de que
sentimentos negativos de mágoa e vingança influem diretamente em nossa saúde. “A inclinação para o perdão incondicional é
prova de sabedoria – maturidade intelectual, emocional e espiritual. É apanágio
das grandes almas e passaporte para a paz e para a saúde integral”, diz.
Pai,
amigo, médico, espírita. Defensor ferrenho de Allan Kardec, que classifica como
o grande esquecido do movimento espírita. Admirador e estudioso do grande
escritor e (que orgulho!) colega jornalista José Herculano Pires. Palestrante
espírita de uma retórica que me emociona sempre. Amigo amoroso, conselheiro
fiel. Externa o amor em abraços e bom humor. Meu exemplo. Professor de
Espiritismo e da vida. Assim é meu pai. Assim é Francisco Cajazeiras.
*Ariane Cajazeiras é escritora da editora EME
desde 2004, quando escreveu o livro infantil “O Coqueiro Solitário e Um Novo
Irmãozinho”. Jornalista por formação e profissão, trabalhou na TV O Povo (TV
Cultura-CE) e atualmente é editora de texto na TV Jangadeiro (Band-CE). Educadora
por opção e amor, trabalha há mais de dez anos na Educação Espírita do
Instituto de Cultura Espírita do Ceará, onde também é voluntária na área de
Comunicação e Assessoria de Imprensa. Gosta de estudar, ler escrever e sorrir.
(Texto publicado na revista de livros da Editora EME (Mensagem de Esperança), edição comemorativa de 30 anos, outubro de 2012, seção "De autor para autor")