Algumas cenas jamais saem da nossa cabeça. Às vezes são coisas bobas, às vezes são diálogos que nem sei até que ponto aconteceram realmente como a gente remonta na cabeça. Como certa consulta odontológica que tive na adolescência. Usei aparelho nos dentes por longos 9 anos (dos 9 aos 18, fruto do vício de chupar dedo). Minha dentista era uma pessoa muito querida, amiga da família. Mamãe me acompanhava nas consultas e elas sempre duravam mais de uma hora porque as duas ficavam conversando. Por vezes o assunto era meu curso universitário e sobre como eu deveria fazer um concurso público. Outras vezes eram apenas coisas da vida.
Pois bem, naquele dia o assunto era beleza e magreza. Eu, como uma pessoa gorda e em constante dieta, sempre estava no meio dessas discussões, mesmo que involuntariamente. Mas desconfio de que as mulheres de maneira geral são infernizadas em qualquer roda de conversa com o assunto que, diga-se de passagem, ninguém tem nada-a-ver-com-isso: nosso corpo. Minha tia (chamo ela assim ainda hoje, embora seja amiga, não família) falava que estava gorda e não conseguia emagrecer. Assumia estar feia (eu não achava, o marido dela não achava, mas o mundo sim). Aí veio a parte que nunca esqueci e tomei como lição pra mim. Uma pessoa da adolescência dela a havia visto no atual corpo e indelicadamente comentou: "nossa, como você mudou. Você era tão linda!". No que ela prontamente respondeu: "Me achava linda? E porque nunca disse?". Porque nunca disse? Nunca disse.
Eu nem acho que essa pessoa grosseira e indelicada tenha algo para ensinar. Não mesmo. E também não acho que a tia tenha feito certo. Se fosse eu teria soltado um: quié que cê tem a ver com isso, meu bem? (Até porque quem fala que alguém é feio não costuma se olhar no espelho). Mas o fato é: porque a gente não diz? Por que razão a gente sempre deixa subentendido-como-uma-ideia-que-existe-na-cabeça? Não, não farei mais assim. Sempre que nego falar o que penso, lembro da tia. "Mas porque não disse que eu era bonita antes?". O problema é que as pessoas não estão assim preparadas para ouvir. Ouvir elogios simples, sinceros. Ouvir que são amadas. Ouvir que são queridas. É por isso que eu digo. Eu escrevo. Deixo meus olhos dizerem tudo. E às vezes minha boca. Mesmo correndo o risco de ser mal interpretada. Mesmo quando me deixam sem graça, fazendo de conta que isso não é importante de ouvir. Ouçam, ouçam sempre. É melhor saber que se é amado, do que achar que se é.
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