terça-feira, novembro 18, 2008

Dos medos


Fazendo a Regina Duarte: eu tenho medo.

É, tenho medo sim. Medo de ficar no escuro sozinha. Medo de aranha. Medo de cobra. Me-do. Um montão deles. O tempo todo. Mas e daí? Todo mundo tem medo. E mesmo que você se faça de corajosa pro mundo, por dentro sempre vai haver um temor a alguma coisa, a alguém, a alguma situação. Tá, para os outros você pode negar, se fazer de "Demolidor - o homem sem medo", mas tem medo, sim. Medo de ladrão, medo de inseto, medo de passar ridículo. Medo de amar, medo de se magoar, medo de tentar ou de não tentar e se arrepender. E esses medos é que nos bloqueiam e nos fazem parecer qualquer coisa menor que uma barata - quem tem medo dela? - às vezes.

Mas já dizia um escritor pelo qual tenho muito apreço: "o medo é um mecanismo de defesa para a manutenção da vida*". Enquanto o medo funciona só como freio para você pensar e repensar naquilo que você vai fazer, tudo certo. O problema é quando o medo te impede de viver.

Quando eu era criança - e não faz tanto tempo assim - eu não tinha só medo, tinha pânico. Mas não era a doença que traz esse nome, gracias, mas um pânico de algo que não sabia e não controlava. Medo de ficar só, no escuro, sem ninguém. Não conseguia tomar banho só, ficar no quarto só, estudar só, ficar só em casa. Nada só, nadinha. Aí um dia, na minha cabeça de criança, parei par ver que insano: eu tinha medo de quê? Será que era medo do próprio medo? Aí eu comecei a tentar me educar e tive ajuda dos meus singulares pais também mais uma série de ajudas e aí: puf! Eu era uma criança novinha em folha, pronta para dormir só no quarto. Tá, eu ainda hoje durmo com minha irmã no quarto, mas por um mero problema de espaço. Tá, tá, eu ainda acordo minha irmã de noite, às vezes, mas não é algo que atrapalhe minha vida, propriamente (talvez a noite dela, *risos*). Só é bom saber que alguém pode apertar minha mão, para variar.

Um dia sonhei que eu era criancinha e estava perdida e totalmente só no meio uma praça belíssima, em frente a uma igreja igualmente bela. Aconteceram algumas coisas no sonho, mas você só vão saber até aqui, hehe. O fato é que eu me toquei da profundidade que envolve nosso medos. É incrível como cada um dos nossos medos está enraizado na gente por laços emaranhados que envolvem centenas de coisas do ontem e do hoje. Mas o fato, também, é que estamos reencarnando e reencarnando e novamente reencarnando para nos libertamos de certas amarras que fincam nossos pés na matéria.

Afora tudo isso, hoje convivo bem com meus medos, mas tratando de não deixar que eles ultrapassem aquela linhazinha da razão. Uma dia me disseram que a gente precisa eliminar nossos medos. Não concordo, não. Superego é bom, de vez em quando. O negócio é saber aproveitar bem cada coisa. Até o medo.

*O autor é o meu pai, um dos seres mais inteligentes que já conheci.

"Medo, medo, medo, vai pra longe de mim
Meu destino eu mesmo vou fazer
E serei bem feliz
Trago a marca de quem me criou
E comigo tenho seu amor
Nada pode me deter no mal
Nem a noite escura, nem o temporal"
Marielza Tiscate

quarta-feira, novembro 12, 2008

Pequeno poema que não cresceu.


Mamãe disse que cresci.
peguei uma fita e me medi.
Ela confirmou: cresci!

Mas, como, se eu ainda nem esqueci
das manhã de domingo e dança?
Como? Como?
Se ainda trago dentro de mim
pequena, tímida e curiosa criança?


Se olho no espelho e...
Nossa! Me vi!
Realmente, eu cresci...

Tive medo ao me olhar.
Como é que se cresce só por fora?
Eu ainda uso lacinho!
E ainda quero ir embora!
Ainda preciso de proteção
e não entendo sobre bancos, contas, boletos.

Coisa chata é crescer.

Livre inspirado em "Recordo ainda", de Mario Quintana.

"Estrada afora após segui... Mas, aí,
Embora idade e senso eu aparente
Não vos iludais o velho que aqui vai:

Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai!...
Que envelheceu, um dia, de repente!..."

sexta-feira, novembro 07, 2008

Contos bobos 1


Era uma vez uma mão vazia que pintava o céu. Pintava o infinito, metia as mãos da tinta e saía dando vida às coisas nos papéis que chegavam. Era sol, era gente, era bicho, era flor. Era giz-de-cera, canetinha, tinta melada na ponta dos dedos. Era cheia de cor, mas se achava vazia. De que adiantava, né, pintar e não ganhar nada por isso. Só alegria basta? Ela ouviu falar que se por ali passasse dinheiro, uau, ela iria pintar mais e melhor. E quem não quer melhorar? Foi a partir daí que ela, que amava se ver manchada, quis mudar. Porque se cortassem as unhas dela, oh God, ia ser a glória. Porque se pintassem e lichassem como deveriam fazer com toda mão decente, aí sim, isso seria vida. quem acha mão suja bonita, né? E se ela pegasse mais em dinheiro, em cartão de crédito, se dirigisse um volante de carro novinho, se vestisse luvas finas, ela seria afinal feliz. Aí ela começou a desenhar coisas sem cores, de grafite, planos chatos de arquitetos. Longe das estrelas e das cores. Aí quando menos esperou, haja dinheiro! Nossa, ela desenhava casas, gente. Meio chato, adquiriu uma LER com o tempo, mas, vá: era feliz, agora, pôxa. Mas faltava... faltava... ela não sabia mais o quê. De repente desenhar coisas com grafite não era a melhor coisa do mundo. E ter que usar aquelas réguas todas. Deu saudade das guaches. Dos pinguinhos de tinta que viravam borboletas e das artes loucas que davam vida a um brancão. Aí um dia ela derrubou tinta na casa de grafite (sem querer, ela jura). Aí ela foi com tudo num balde de tinta e desenhou um céu na parede do escritório. Foi a coisa mais feliz que uma mão azul pôde fazer. Aí demitiram ela da empresa e hoje ela vive de desenhar céus nas paredes dos outros. Interessa? Ela cobra baratinho, gente. Também, quem mandou querer ser independente? Sobraram as prestações do cartão de crédito. Bolas!

"Vou sair pra ver o céu
Vou me perder entre as estrelas
Ver daonde nasce o sol
Como se guiam os cometas pelo espaço
e os meus passos
Nunca mais serão iguais

Se for mais veloz que a luz
Então escapo da tristeza
Deixo toda a dor pra trás
Perdida num planeta abandonado
Pelo espaço
E volto sem olhar pra trás
No escuro do céu
Mais longe que o sol
..."