Disse que era um dedão do pé que não sabia sorrir. Disse também que ele vivia triste, macambúzio, apertado naqueles tênis azuis chulezentos (urgh). Disse que ele era assim porque queria ver o mar, sentir a brisa correndo bem em cima da sua unha, remexer na areia igualzinho àqueles cachorros sem dono que vivem livres pra sambar por aí. Mas ele tinha nascido dedão do pé. E os dedões do pé estão fadados a viver escondidos nos sapatos apertados das pessoas. Pelo menos ele vivia pregado ao pezinho de uma criança, que de vez em quando jogava futebol descalça sem que a mãe visse. Ah, horas felizes, aquelas em que ele ficava bem pertinho da areia quente, impulsionando o pé pra frente, correndo atrás da bola dente de leite.
Um dia a criança dona do pé ouviu um grunhidinho longe, meio sentido. Pois não é que vinha bem de lá, do dedão do pé esquerdo? (É, porque as crianças, sim, tem o poder de ouvir tudo, tudinho, com o coração). E ela olhou pra baixo e ouviu os lamentos do pobre do dedão do pé. Ele queria respirar, ué! Ver as coisas, sentir o vento, pular aqui e acolá. E, você sabe, criança é o ser mais sensível que existe. Disse que, agora, ela esconde o tênis e só sai de sandalhinha de dedo. E que vai mais à praia e que remexe horas na areia com seus pezinhos número 30. Disse também que ela pegou uma canetinha cor dos amores-perfeitos e desenhou um sorrisão bem na cara do dedão do pé mais feliz do mundo.
"É o mundo que anda hostil. É o mundo que anda hostil"